sábado, 18 de fevereiro de 2012

Coleção Escrileituras, [Prefácio]

O projeto "Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida" coordenado pela Prof.ª Dr.ª Sandra Mara Corazza, PPGEDU/UFRGS e vinculado ao Programa Observatório da Educação CAPES/INEP lançou em 2011 [ no I Colóquio Nacional Pensamento da Diferença, realizado na cidade de Canela, RS em parceria com a UCS - Universidade de Caxias do Sul | Centro de Eventos da UCS] a Coleção Escrileituras, trata-se de publicações a respeito das produções do projeto sendo que a própria Coleção é parte constitutiva dessa produção. O caderno 1 foi organizado pela Prof.ª Dr.ª Ester Heuser da UNIOESTE/PR, uma das Coordenadoras de Núcleo do projeto.  O projeto é composto por 4 Núcleos, sendo que sua Coordenação Geral está sediada na UFRGS. Os núcleos são: Núcleo UFRGS - Prof.ª Dr.ª Sandra Mara Corazza, Núcleo UFpel - Prof. ª Dr.ª Carla Rodrigues, Núcleo UNIOESTE  Prof.ª Dr.ª Ester Heuser e Núcleo UFMT - Prof. Dr. Silas Monteiro.

ADÓ, Máximo. "Prefácio". In.: HEUSER, Ester (Org.) Caderno de Notas 1: projeto, notas & ressonâncias. Cuiabá, EdUFMT, 2011, p. 09 - 12.


Tive a alegria, como pesquisador participante do Projeto, de ser convidado para prefaciar o primeiro livro da Coleção, texto que também compõe as orelhas do livro. 

O texto do prefácio pode ser lido a seguir [com as marcações da paginação no original]:

Prefácio [pág 9]
Máximo Lamela Adó

Pode-se dizer que a escrita de um incomparável escritor, como o foi Paul Valéry (1871-1945), está mais que entremeada por rasuras, artifícios da forma, mas quer constituir-se na e pela rasura. Adota a rasura como um estatuto paradoxal para a própria escrita, uma escrita na qual seus procedimentos, operações, mecanismos, voltam-se à composição de textos com fins a expressá-los para produzir o máximo de efeito ao leitor-ouvinte, leitor que se ouve e hesita a significar o lido entre som e sentido. Por isso a escrita valéryana está composta por uma variedade temática diletante e é aí que apoia sua consistência, em uma espécie de simultaneidade na qual sensível e inteligível atuem em reciprocidade. Operando, evidentemente, por uma relação indissociável entre teoria e prática, leitura e escrita. Em domínios de interação mútua, no qual a escrita e sua outra metade, a leitura, agem como rasura, acabam por determinar o apagamento do que foi feito-lido-escrito. O que fica é uma mancha de sentido, uma tentativa de deliberar todo um orbe por meio de qualidades próprias, negar-se ao afirmar-se, atuar por meio de cortes e desvios, evasões, reescritas, repetições, atualizações, por fim, incompletudes. Um movimento que não se interessa por uma história da verdade, mas por uma história que nada narra, senão, a sua potência como contingência de composição, um escrever como experimento do trabalho de alguém que escreve para conhecer, e não escrever o que já conhece. E, mesmo assim, o conhecido de uma escrita se dá por uma relação constante com o incognoscível e imperceptível de cada escrito, dá-se em um processo inacabado e sempre recomeçando pelo meio. Pode-se dizer, então, que é com esse espírito que Valéry escreve diariamente, durante mais de 50 anos, o que constitui os 29 volumes de seus Cahiers (não excluindo seus ensaios, conferências, diálogos, poemas etc.) e é com espírito análogo que entrevejo constituir-se este [fim da pág.09], [pág. 10] primeiro volume da Coleção Escrileituras, Cadernos de Notas I: Projeto, Notas e Ressonâncias.
É disso que se trata!
O volume está composto por três peças que se retroalimentam, a saber, Projeto, Notas e Ressonâncias. Essas peças são deliberadamente anacrônicas e independentes, mesmo que recíprocas retroativas e recursivas, ou seja, não podemos concebê-las por uma ordem de causalidade linear, aquela na qual uma causa produz diretamente um efeito. No entanto, cabe-nos dar-lhe uma composição. O tom do volume, para usar despreocupadamente uma metáfora musical, é reverberado a partir das Notas. As Notas, a sua vez, encontram certo dinamismo espaço-temporal no Projeto e estes (Notas e Projeto) são reintroduzidos e interferem no próprio processo do qual fazem parte em Ressonâncias. Temos que o produto é produtor daquele que o produz, constituindo, de certo modo, uma atualização encarnada do projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” a habitar o campo da Educação. O projeto “Escrileituras” coordenado por Sandra Mara Corazza traz uma jubilosa ideia de que a Educação se faz e se sente com todo o corpo. Ernesto Sábato falando de arte disse, certa vez, que a objeção de Nietzsche a Wagner era fisiológica: não se faz ou se sente a arte com a cabeça, mas com o corpo inteiro. Este Caderno parece afundar nessa premissa; faz do leitor partícipe, de corpo inteiro é claro, de um dinamismo espaço-temporal que é o projeto “Escrileituras” a ocupar o campo da Educação e caracterizado, aqui, por uma das peças deste conjunto desenvolvida por Patrícia Dalarosa, intitulada Projeto. Por meio de diálogos incessantemente mutáveis e relacionais, o texto Notas de Sandra Corazza tensiona as noções de criação, tradução, transcriação, oficina, escrita, leitura, escrileitura, procedimento, avaliação, diferenças, didática, crítica, texto, cartografia, a uma Educação função. — Eu funciono, diz a Educação. Procurando contornar a fadiga pastosa de uma recaída sobre opiniões acabadas, clichês que se mostram como o fim de possibilidades criadoras no plano de uma escrileitura em Educação, faz de si uma auto-variação. A Educação, neste Caderno — que atua como personagem, ou ainda, criatura do intelecto — procura aumentar seu grau de racionalidade, de consciência de si, sem almejar verdades, mas, por meio de variedades irredutíveis, ou seja, diferença, fazer com que ocorrências se contraiam em imaginação. O Caderno nos faz desconfiar de toda fixidez, de [fim da pág.10], [pág. 11] qualquer ídolo ou condição de generalidade. O seu papel para com o projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” e, consequentemente, para o campo da Educação, é o de combinar ordens de grandezas ou qualidades incompatíveis, acomodações que se excluem; excitar a vitalidade imaginativa ampliando, a cada vez, sua funções; classificar as próprias resistências, gradações e complexidades em disposições regulares colhidas em seu campo de irregularidades. Esta Educação procura, incessantemente, o processo dos efeitos que se tornam causas, ou seja, hábitos. Daí, sempre a necessidade de fazer-se como auto-variação, procurar desfazer em seus efeitos as constantes que se tornam hábitos. Um esgarçar de si buscando, naquilo que já achou, os desvios que se bifurcam na superfície da cultura, como um modo de transculturação ou transformação cultural. As Ressonâncias, como retroativas e recursivas que são, atuam em três partes, todas essas três partes, inseparáveis, porém interdependentes, mesmo sendo autônomas, foram apresentadas pela voz de seus autores no “Seminário Especial Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” ocorrido na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no dia 09 de maio de 2011, autores estes que são, também, coordenadores de núcleos que compõem o projeto “Escrileituras”. Talvez tenha sido Silas Monteiro, em seu texto “Notas | Siglas | Sons”, mais que qualquer outro, o responsável pela atenção às siglas corazzianas como experiência fônica ao modo derridiano da différance. Atenção esta que se fez reverberar em seu próprio nome: Si(g)las, grassando-o pelo meio, destraçando, pela política derridiana do nome próprio, a origem desse “autor” que fala, já que, como se sabe, a política do nome próprio em Derrida trata do uso do ouvido, e seu nome confundir-se-ia, assim, com o próprio tema proferido. Parece ter sido Ester Heuser quem, com seu texto “Linhas para uma (micro)política de escrileituras: ler e escrever em meio à vida e às políticas de Estado”, soube, mais que apontar, fazer soar um modo de procedimento de uma política de forças para uma política de oficinar frente à pergunta “o que acontecerá?”, precedente e procedente de uma Política de Estado que perpassa toda uma constituição do projeto “Escrileituras”, não, sem suas prudências e multiplicidades. E, quiçá, tenha sido Carla Gonçalves Rodrigues que, com seu texto “O dito e o não-dito da formação de professores nesta contemporaneidade” tenha nos dado a ouvir naquela ocasião e a ler nesta, certa necessidade de enlaçar a formação docente [fim da pág.11], [pág. 12] a uma incomensurabilidade entre o respirar e o atuar na formação de professores. 


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