domingo, 9 de maio de 2010

Mah'mud Sin Volatl


publicado em: Revista Polichinello N° 11 

Texto de Máximo Lamela Adó


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Mah'mud Sin Volatl
O voo dos cadernos

Em algum lugar li ou ouvi dizer a seguinte frase: Dickinson acreditava que publicar não é parte essencial do destino de um escritor. Com Volatl parece que exemplificamos essa assertiva. Muito dedicado à leitura e à solidão, nas alturas do céu ou em intermináveis estradas em terra ― lembrando que era um exímio aviador e motociclista onírico ― debruçava-se a escrever anotações do presente em caderninhos e papeletos esparsos. As anotações eram sempre acompanhadas de algum desenho; garatujas ou ilustrações em nanquim, sempre algum elemento pouco perceptível na paisagem vista em seus solilóquios peripatéticos. Mah'mud parece ter como tema a defecção. Parecia procurar a palavra perfeita que ilustrasse o seu exílio, um nunca compreendido auto-exílio. Em um de seus fragmentos lê-se o lamento de se sentir condenado a viver como um desses organismos que, para permanecer, vê-se obrigado a estar associado a outros de onde retira os meios para sua sobrevivência. “Queria, hoje, ter acordado em um deserto onde o horizonte me desse o fôlego de não ser um devedor”. De fato este era o tema de suas anotações; sua escrita encarnava, sem lamentos, que a parasitagem era o único meio de sobreviver na literatura. Jamais pensara em prejudicar seus hospedeiros, mas, sempre tê-los como amados no qual ele se transubstanciaria. No entanto, em vida, nessa vida vã que parece dar-se fora dos livros, o tema se tornava árduo, tão pesado que seu ombros se encolhiam comprimindo-se ao corpo no intuito de que a pressão fizesse surgir-lhes asas. Foi somente por volta dos 40 anos que Volatl alçou um grande voo. Paradoxalmente, foi catapultado pela literatura, ela que parecia tê-lo internado na submissa posição de um deletério delinquente, estorvando todo e qualquer utilitarismo. Por sorte ou por destino teve publicado, meses antes de completar seu quadragésimo aniversário, o livro com o título pouco inventivo de O voo dos cadernos. Ele nada esperava desse inusitado texto, o havia escrito sem nenhuma pretensão literária. Para ele, não passara de um livro de anotações, ali, com certas interlocuções que quase considerava serem próprias, havia anotado trechos de suas amadas leituras, falseando os autores e as literaturas lidas; trazendo-as para sua seara sem nunca de fato considerá-la sua. Escreveu-o com a astúcia que só é possível quando o que se faz é para si mesmo. E conquistou, assim, um multicolorido de frases verdadeiras e falsas; aceitou mentir e viu que só a sua mentira pôde dar-lhe uma veraz liberdade.

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